Espírito de Época, Sofrimento Psíquico e Suicídio na Sociedade Pós-Emprego

Por

Prof. Enídio Ilário

Docente do CEFAS

Professor e pesquisador FCM/CLE (UNICAMP)

Quando os empregos escasseiam e o trabalho que deveria ser um poderoso operador de construção e estabilização da identidade e dos vínculos é substituído pela selvagem competição pela sobrevivência material, emerge uma nova categoria, o precariado, uma classe composta por um número cada vez maior de pessoas que levam uma vida de insegurança, entrando e saindo de empregos que conferem pouco significado a suas existências.

Em nosso tempo o fenômeno é de tal monta que contribui largamente para configurar aquilo que se convencionou chamar de “Espírito de Época” (Zeitgeist) e no qual um dos aspectos é o crescente aumento das taxas de suicídio, mesmo quando o tratamento para depressão e ansiedade se tornou amplamente disponível. De acordo com a OMS (2015) são 800.000 suicídios anuais 78% em países de renda média ou baixa, o Brasil é o 8º país com mais suicídios, sendo a 2º causa de morte na faixa dos 15-34 anos.

No que se refere à relação entre suicídio e trabalho o Japão é destaque desde os anos 80 com o reconhecimento tardio do fenômeno devido aos aspectos culturais envolvendo a questão. O fenômeno se disseminou no ritmo do avanço da “revolução da gestão no trabalho”, principalmente na Coreia do Sul, que hoje ostenta a maior taxa de suicídio do mundo (tristemente alcunhada de república do suicídio). Na Europa ocidental o tema ganhou relevância a partir do início do presente século com os rumorosos casos da Renault, Peugeot, France Télécom e EDF (Életricité de France) e de lá para cá se tornou um fenômeno planetário.

Conforme o cientista, psicanalista e médico do trabalho Dejours, “O suicídios perpetrados no local de trabalho estão seguramente vinculados ao trabalho, pois o suicídio como toda a conduta humana está sempre endereçado. O suicídio no local de trabalho pode estar indicando a perda da solidariedade coletiva, a falência das estratégias coletivas de defesa e a inexorável solidão do cada-um-por-si no trabalho”.

Diante de tal quadro, os profissionais de saúde, particularmente o psicólogo e o médico podem e devem atuar em duas vertentes, uma delas é da saúde coletiva e será apresentado um modelo (Modelo de intervenção racional) que durou 18 meses, sob responsabilidade da psicóloga Florence Bègue em uma grande empresa francesa. No plano da clínica individual e grupal abordaremos a Logoterapia de Viktor Frankl, fonte de inspiração não somente para a compreensão dos fatos clínicos, mas também para a ação terapêutica frente ao vazio existencial prevalente no espírito de época contemporâneo.

Esperamos com esta abordagem aproximativa contribuir não só para chamar a atenção para esse importante fenômeno ainda pouco conhecido no Brasil, mas também convidar os profissionais da área de saúde mental a aprofundar o conhecimento das técnicas de intervenção mais adequadas frente ao quadro panorâmico exposto.

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